Internet das coisas, pagamentos digitais, aplicativos multiplataforma de mensagens instantâneas, live reporting, realidade virtual, automação, big data, storytelling, gamificação. O dicionário do marketing ultrapassou fronteiras e, definitivamente, chegou ao campo social. Não é novidade que profissionais de comunicação e captação de recursos bebem dessa fonte para caminhar rumo à sustentabilidade financeira em organizações da sociedade civil. Afinal, como diz o velho clichê: o futuro já começou.
Olhando para tendências e inovações ligadas à captação de recursos, a Mobiliza realizou, no último dia 24 de abril, um webinar para debater desafios e oportunidades para OSCs. O encontro marcou o lançamento da quarta edição da série de fascículos Mobiliza. Participaram do bate-papo Amanda Fazano, Desenvolvimento de Doadores da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Bruno Benjamin, Individual Giving Lead da Action Aid Internacional e Thiago Cruciti, diretor de Marketing da Visão Mundial. A mediação foi de Rodrigo Alvarez, sócio-diretor da Mobiliza.
Discutir o futuro da captação de recursos não é tarefa fácil. Em um campo que vive em constante transformação, seria leviano apontar caminhos certeiros. Contudo, algumas hipóteses são possíveis, ao despontar de tendências no horizonte.
As tecnologias e ferramentas, que apareceram tanto no webinar quanto na revista, foram mapeadas em um grande estudo desenvolvido pela Mobiliza. De acordo com Rodrigo Alvarez, algumas demandam alto investimento, outras são simples e cabem no orçamento de organizações de pequeno e médio porte. “Combinadas com modelos mais tradicionais de captação, podem fazer a diferença. O mundo do consumo está sempre muito preparado para esse tipo de inovação. O campo social precisa aprender a também ver os temas de marketing com bons olhos.
Experiências que sensibilizam
Um dos grandes desafios para quem pensa ações de captação de recursos é transformar o simples ato de doação de recursos em uma experiência inesquecível. Amanda Fazano, Desenvolvimento de Doadores da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), lembra a ação Liga das florestas, liderada pelo Greenpeace. A plataforma, que contou com muitos recursos de gamificação, organizou uma grande mobilização para assinar uma petição e levar um projeto de lei popular pelo desmatamento zero ao Congresso Nacional.
Outra tecnologia que ajudou a transformar a experiência de doação em algo mais potente foi a campanha de realidade virtual que desenvolveu na organização Conectas Direitos Humanos. A ideia foi fazer com que pessoas se sentissem em um presídio, numa cela lotada, por meio de realidade virtual. A ação foi um sucesso e ajudou a sensibilizar cidadãos sobre direitos prisionais.
Bruno Benjamin, Individual Giving Lead da Action Aid Internacional acredita que é preciso compor modelos tradicionais com estratégias mais inovadoras. “Precisamos entender melhor os modelos [de captação] praticados. Será que o tradicional ainda vale? Por exemplo, percebemos que as microdoações recorrentes podem ser um caminho, como iniciativas pontuais, focadas. Outro ponto importante é que experiência da doação tem que ser simples e prazerosa. O pagamento não pode ser um problema para o doador.”
Amanda reforça que, mais do que inovar, é preciso planejar e correr riscos ponderados – especialmente no caso de grandes investimentos. “Inovação não necessariamente é um fazer tecnológico. Tecnologia sem estratégia, sem objetivo claro, é só um brinquedo caro”. Thiago complementa: “O ato de contribuir deve ser tão prazeroso quanto o de consumir. A experiência precisa ser inesquecível.”
O poder das histórias
Um dos principais achados do estudo desenvolvido pela Mobiliza e da pesquisa para a produção da revista foi o chamado storytelling (ou narração de histórias, em tradução livre). Os debatedores do webinar concordam que boa parte das organizações da sociedade civil não sabe se comunicar com o mundo além de seus muros. “Vejo que as organizações investem muito pouco em comunicação”, avalia Bruno.
Amanda explica que na ACNUR, onde trabalha atualmente, a comunicação está no centro da estratégia de captação. “Vejo que as pessoas não contam direito as histórias. Por termos o privilégio de ter profissionais de comunicação na equipe, contamos histórias muito bacanas. O que é mais importante pra gente é mudar vidas, e isso, bem comunicado, tem sido muito engajador.”
Contudo, é consenso que comunicar de forma estratégica é tarefa muito complexa. Thiago Cruciti, diretor de Marketing da Visão Mundial, alerta: as histórias precisam ter lastro. “Nossa comunicação precisa mostrar verdade, ter conexão clara com a realidade. Se o doador pesquisar na internet e sentir que a mensagem não é sólida, você o perdeu. Isso é um grande desafio. Precisamos construir narrativas verdadeiras. As pessoas não aguentam mais o filme de sofrimento, com musiquinha ao fundo e telefone na tela. Os novos doadores não se sensibilizam mais com isso.”
A nova geração de doadores
Uma nova população de indivíduos chegou para balançar as estruturas do campo social brasileiro. Estes jovens, nativos digitais, querem doar, mas também querem participar. Mais do que isso: querem protagonizar transformações. Não basta receber um relatório no fim do mês.
“A chegada dos millenials impôs uma grande mudança à relação “organização-doador”. Antes você precisava de um relacionamento basicamente pautado em prestação de contas. Doadores queriam saber do uso do recurso, da auditoria. Era um processo de convencimento baseado no racional, nas ações de compliance (conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e regulamentares)”, lembra Thiago.
Isso tudo significa que a organização que deseja se comunicar com esse público precisa investir em inovação. E ser muito criativa e corajosa. “A maioria dos jovens tem uma causa. E eles só vão se aproximar das organizações que tenham a coragem de levantar suas bandeiras. Eles esperam um posicionamento claro, límpido, objetivo. Além disso, querem ver mecanismos ‘fora da caixa’ para destinar suas doações.”
Nesse sentido, os debatedores do webinar lembraram diferentes campanhas de arrecadação de recursos bastante inovadoras. Desde um aplicativo que monitora os passos que o usuário deu em um dia e converte o saldo em doação para OSCs, até um sistema desenvolvido na Inglaterra que transforma o tempo que você aperta o botão “soneca” do seu despertador em doações para OSCs pré-selecionadas. Hoje se doa fazendo exercício e até dormindo.
Brasil atual
Mas, olhando para o cenário político-econômico brasileiro, o momento é propício para investir em estratégias inovadoras de captação de recursos. Os especialistas acham que sim.
“Em momentos de crise, quando somos questionados sobre direitos humanos básicos, nos posicionar é positivo – e precisamos disso. Claro, parte das OSCs prefere ficar distantes do front dos debates e se posicionar de forma menos objetiva. Temos que respeitar. Isso vai depender da estratégia de cada uma. Por outro lado, percebo que algumas organizações têm pautado importantes agendas na sociedade”, avalia Bruno.
E continua dizendo que a maneira mais simples de atuar em uma sociedade tão polarizada é se conectar com seu propósito, com sua essência. “Como adaptamos as narrativas ao contexto atual de nosso país? O Brasil é um prato cheio. E isso certamente vai determinar o sucesso da organização no futuro. É possível comunicar valores, sem se associar a um lado ou a outro do espectro político”, analisa o profissional da Action Aid.
Amanda acha que o momento pede muito diálogo. “É nesse momento, de questionamento, que as OSCs se mostram mais necessárias. Muitas pessoas já entenderam seu papel. Com outras precisamos dialogar, as sensibilizar”. Thiago concorda: “Estamos diante de um recuo de políticas sociais, ou seja, daquilo que acreditávamos que iríamos parar de fazer [como organização] e agora teremos que revisar e retomar. Não podemos cair no jogo de quem constrói essa polarização. Precisamos dizer: independente do lado, temos uma missão, um propósito e uma visão pragmática de país.”
Esse e outros webinares, na íntegra, estão disponíveis no canal da Mobiliza.