Da Sobrevivência à Sustentabilidade

Muitas organizações sem fins lucrativos brasileiras caracterizam suas estratégias de captação de recursos como de “sobrevivência”.  “Apagar incêndio” é expressão muito ouvida quando se trata do assunto.

Texto publicado na Stanford Social Innovation Review apresenta uma interessante análise de duas diretoras de organizações americanas, Akaya Windwood, do Rockwood Leadership Institute, e Rajasvini Bhansali, da International Development Exchange (IDEX). O texto fala de como elas conseguiram superar os problemas que se abateram sobre suas instituições, devido à crise financeira global, no final dos anos 2000.

Embora admitam que responder como o fizeram não seja uma tarefa fácil, no texto abaixo elas tentam sistematizar os principais aprendizados, que trouxeram estabilidade e grande impacto social às suas organizações.

Aqui, a Mobiliza traz um resumo das ideias, princípios e percepções das diretoras.

Da Organização:

1. Foco na causa

Em momentos de crise financeira, é tentador ir atrás de dinheiro, mesmo que isso possa desvirtuar a organização de seu propósito. Use sua causa como seu princípio norteador.

2. Conte sua origem sempre

Contar como tudo começou constantemente, relembra a todos as partes interessadas (conselhos, voluntários, colaboradores, fornecedores) o porquê fazem o que fazem. Ajuda a manter o propósito da organização.

Akaya Windwood, do Rockwood Leadership Institute

Akaya Windwood, do Rockwood Leadership Institute

3. Construa algo que atraia recursos

Fuja da do negativismo e da miséria humana. O que chama a atenção de pessoas, ideias, organizações, ou movimentos é vivacidade, entusiasmo e foco em soluções, não os problemas em si. Integre alegria, amor e otimismo na cultura de sua organização, dos programas à comunicação.

4. Faça do bem-estar de sua equipe uma prioridade

Nos últimos seis anos, a jornada semanal de trabalho na Rockwood é de 32 horas. Descobrimos que quando pedimos para as pessoas trabalharem menos, elas, na verdade, produzem mais. Embora as pessoas trabalhem 20% menos a cada ano, os programas e as finanças triplicaram, sendo que a equipe se manteve do mesmo tamanho (12-14 pessoas).

5. Forme espaços de reflexão com toda a sua equipe

Usando diferentes metodologias, IDEX reúne sua equipe uma vez ao mês quando todos se questionam: “O que estamos aprendendo?”, “O que podemos fazer de diferente?”, “Quais são as forças que formam o mundo como o conhecemos, e como isso afeta nosso trabalho?”. Reflexões sempre estimulando a criatividade, não a crítica.

6. Seja parceiro de seus beneficiados

Quando a IDEX passa por períodos de problemas orçamentários, eles são honestos com as organizações beneficiadas pelo seu trabalho,  explicando o porquê não farão doações no mesmo nível. Em resposta, esses parceiros dizem: “Vamos apoiá-los em uma nova estratégia. Podemos ensinar algo para vocês se adaptarem”. A IDEX, assim, abre suas portas para que elas ajudem a remodelar o seu futuro.

7. Conheça seu custo e aprenda a criar um orçamento real

É essencial você conhecer o custo de seu trabalho. Por 20 anos, a IDEX construiu planos plurianuais e compromissos de apoio para suas organizações beneficiárias e não fez o mesmo para si. Resultado: viu minguar suas reservas, pagou mal seus colaboradores, não reteve talentos e não conseguiu criar capacidade de resiliência aos contratempos financeiros. Faça o trabalho interno, conheça o que precisa realmente. Usar adequadamente os recursos é tão ou mais importante do que captar recursos.

Rajasvini Bhansali, da International Development Exchange (IDEX)

8. Tenha o tamanho certo no momento certo

É crucial, mas não é fácil. Rockwood poderia ser muito maior do que é hoje, mas perderia sua capacidade de ser ágil e inovadora. Ficar em um tamanho menor permitiu flexibilidade nas mudanças de rumo. Estar consciente de seu tamanho vai ajudar você a se manter em seu propósito e manter o bem estar de sua equipe. Ser grande não é necessariamente melhor.

9. Se você não pode pagar, não compre

Nós assumimos riscos conceituais e programáticos, mas não em nível financeiro. Não brinque com seu dinheiro.

Dos Doadores

10.  Seja parceiro de seus doadores

Não os trate como caixas-eletrônicos. Quando você mantém o mesmo tipo de relacionamento solidário de seus beneficiados e comunidades com seus doadores, você atrairá mais recursos. Tudo bem você pedir a eles o que você realmente precisa, mas não esqueça de trata-los como pessoas e cultivar os relacionamentos sempre, mesmo quando não precisa dos recursos do seu parceiro.

11. Comunique-se com seus doadores individuais reconhecendo a inteligência deles.

Por muito tempo, a IDEX seguiu o preceito de que as mensagens para os doadores deveriam ser bem simples, para alcançar o maior número de pessoas. A mudança ocorreu quando a equipe de mobilização de recursos da organização não teve mais medo de contar de forma completa a complexidade de seu trabalho, de forma real, mas ao mesmo tempo acessível e livre de jargões.

12. Não venda barato para seus doadores

Fazer seu trabalho custa dinheiro. Simples assim. Se você diz ao seu doador que programa custará $100 mil, sabendo que, de fato, custará $115 mil, de onde você irá tirar o que faltará? Como líderes, nós temos que dizer a nós mesmos e aos outros a verdade sobre o custo final.

13. Reconheça o papel da filantropia e obtenha receitas

A ideia de organizações sociais 100% sustentáveis com receitas próprias é um mito. Qualquer iniciativa que faça qualquer coisa realmente necessária do ponto de vista social, é sustentável pelo capital filantrópico, que subsidia o custo de chegar a populações difíceis de alcançar.

14. Saiba quando um modelo de geração de receitas próprias se encaixa para você

Prestação de serviços ou vendas de produtos está muito em voga hoje em dia, mas não quer dizer que seja uma estratégia adequada para todos. A menos que seja interessante, alinhado à missão e dirigido ao propósito de sua organização, oferecer serviços ou produtos pode ser contraproducente para a sua estratégia.

15. Respeite o ecossistema de mobilização de recursos

Rockwood tem acesso a grandes financiadores nacionais graças à natureza de seu trabalho. Ela fez disso uma prioridade, não captando com fundos pequenos ou locais, que devem ir para organizações de base. Esteja consciente da interligação de todas as nossas organizações ao escolher suas fontes de financiamento.

De você

16. Avalie suas crenças pessoais com dinheiro

Dinheiro é poder e poder é dinheiro. Nenhum deles é bom ou mal, santo ou diabólico. É uma fluxo de energia entre pessoas, ideias e organizações. Pessoas perseguem dinheiro e poder, de muitas formas, e fundamentalmente eles são neutros. E vamos ser claros: Em geral, doadores construíram sua riqueza no capitalismo, e organizações sem fins lucrativos são construídas por meio do capitalismo. Não existem fontes puras! Importa de onde conseguimos o dinheiro, como nos relacionamos com ele, como o gastamos e o administramos. Mas se a ideia que acessar fontes de recursos é, de alguma forma, considerado ruim, isso prejudica nossa habilidade de construir mudanças de longo prazo.

17. Não leve fracassos ou rejeições para o lado pessoal

Quando um doador rejeita sua proposta ou você não alcança suas metas de financiamento, não leve para o lado pessoal. Em tempos de crise, dúvidas sobre sua capacidade, habilidade e conhecimento surgem, naturalmente. Encare essa fase como uma oportunidade para autorreflexão e para curar as feridas, já que, como dissemos antes, miséria humana não atrai ninguém.

18. Assuma o que você sabe e o que não sabe

Finanças devem ser levadas a sério e não dá para você enganar a si mesmo. Se você não sabe o que está fazendo, pare imediatamente e procure aprender. É sua responsabilidade. Há uma abundância de formas lá fora para aprender a fazer um orçamento. E não deixe pensamentos como “eu não entendo e não vou fazer” te dominar. Confie em seu conhecimento e capacidade.

19. Não lidere sozinho. Peça ajuda.

Tenha pelo menos três pessoas em sua vida que estejam em uma posição de liderança, com as quais você possa se abrir e ser honesta sobre seus desafios e medos, que respondam: “As vezes esse trabalho é difícil mesmo! Eu posso ver que você está passando por um momento complicado e eu estou aqui para você. Agora, levante-se e volte ao trabalho”. Fuja de pessoas que possam dizer: “Vamos esquecer essa história de social, né? Vamos procurar um emprego de verdade”.

Leia o artigo completo (em inglês) na página do Stanford Social Innovation Review.

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