Diante de um contexto atual em que os recursos estão mais escassos, as organizações da sociedade civil têm sido desafiadas a pensar e a se estruturar para ir além de atividades pontuais de captação. Garantir a sua sustentabilidade financeira não depende apenas da ação de uma área específica, tendo em vista que a forma como mobiliza recursos deve ser coerente e parte integrante da estratégia geral da instituição.
Assim, cada vez mais, é preciso que as organizações criem modelos de financiamento que as ajudem a cumprir com mais impacto o seu propósito, a partir do aproveitamento de todas as suas competências – o que faz e como faz – e da diversificação dos mecanismos de geração de receitas, gerando, com isso, um fluxo alinhado entre entrada de recursos e realização da missão.
Nell Edgington, da Social Velocity – consultoria americana em inovação social e sustentabilidade para organizações sem fins lucrativos -, destaca justamente que a estratégia de financiamento é diferente de um plano de captação de recursos por diversos aspectos. Entre eles estão: inclui todas as atividades com potencial de gerar receitas (doações individuais, patrocínios de empresas, convênios com o poder público, receitas com prestação de serviços ou venda de produtos, empréstimos, investimentos semente etc.); integra essas atividades numa estratégia única, com um plano de implementação; considera metas de curto e longo prazo; inclui o financiamento de projetos e a infraestrutura institucional da organização (equipe, treinamento etc.); e valoriza receitas que estejam alinhadas (e não opostas) às competências principais da organização e de sua equipe.
Mariana Gauche, coordenadora do Núcleo de Gestão do Instituto Elos, conta como a organização tem lidado com esse desafio no cotidiano: “A questão central é pensar profundamente na equação de como sair do vermelho e conseguir investir cada vez mais no propósito, sem que isso dependa tanto da prestação de serviços. Por outro lado, as organizações que têm alto índice de captação de recursos via doações têm um alto custo em campanhas publicitá- rias, equipes para conseguir mais doadores, e isso pode custar até 45% do que é captado. Queremos escapar desse modelo, procurando alternativas alinhadas à nossa forma de trabalhar, onde a maior parte do nosso esforço, tempo e energia são investidos no trabalho com as comunidades e com jovens empreendedores”, comenta.
Diversificar fontes e recursos
Investir mais na diversificação das fontes de receitas para garantir a menor vulnerabilidade financeira é ponto a ser olhado com muita atenção pelas organizações, destacam os especialistas do setor. “As organizações têm que ter uma lógica mais avançada de não colocar ‘todos os ovos na mesma cesta’. Elas não podem correr o risco de perder um financiamento e, com isso, diminuírem o seu impacto”, pondera João Paulo Vergueiro, diretor-executivo da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR). Além de diversificar fontes – captar com empresas, governos ou pessoas físicas, por exemplo, – diferenciar os tipos de recursos hoje disponíveis também é fundamental. Isso porque muitos recursos são vinculados a projetos, o que não permite às organizações investirem na sua operação e na manutenção da sua estrutura com custos fixos.
Por isso, como apontam os autores da publicação ‘Measuring Fundraising Effectiveness’ (Medindo a Eficiência na Captação de Recursos), produzida pela Association of Fundraising Professionals (AFP), as organizações precisam construir um modelo de financiamento robusto, por meio de uma estratégia híbrida. Para eles, um programa saudável de mobilização de recursos leva em conta dois aspectos: recursos sufi cientes para financiar seus programas (recursos líquidos captados) e modelo que equalize risco e recompensa (quociente de dependência e custo da captação de recursos).
O material completo do estudo pode ser acessado em: bit.ly/2x7LG1h
Caminhos possíveis
Todas as propostas desenvolvidas pelas organizações para diversificar sua fonte de receita são bem-vindas. Porém, é preciso ter em mente que não há melhor ou único modelo que sirva para todas. Promover bazares, por exemplo, funciona para aquelas que têm sede e funcionários ou voluntários atuando presencialmente. Já a prestação de consultoria cabe bem para as OSC que desenvolvem tecnologias sociais que podem ser replicadas a fi m de aumentar o seu impacto de atuação. Por fi m, talvez uma organização que atue na recuperação de pessoas em situação de drogadição precise mais de doações de materiais para sua subsistência. A receita é saber equilibrar sua missão, suas competências e seu modelo de financiamento.
Uma dúvida, entretanto, de diversas organizações é se elas podem ou não oferecer determinados serviços ou até realizar a venda de produtos ou se beneficiar de incentivos fiscais. Danilo Tiisel, advogado e diretor da Social Profit, esclarece que há uma estruturação específica do que é atividade-fi m da organização, ou seja, a sua missão, e o que é atividade-meio, aquelas atividades realizadas para gerar renda visando ajudar a organização na sua atuação.
“O que precisa ter muito claro é qual a finalidade da OSC e como as atividades econômicas estão inseridas dentro da captação. Assim, se ela fizer tudo de maneira estruturada juridicamente, é totalmente possível. O que as organizações não podem é distribuir lucro. Elas têm que investir o recurso para a sua perenidade”, explica o advogado.
De acordo com os especialistas, nenhum desses modelos estará acessível a todas as organizações. O desafio é justamente encontrar, a partir das suas características, o seu próprio modelo, entendendo que não pode perder nunca de vista o foco na causa e na sua missão e não no produto, na venda. Isso tudo é meio.
Modelos jurídicos
Mas, afinal, qual seria então a melhor constituição jurídica: associação, fundação ou empresa com impacto social?
“Não existe um formato melhor. O que existe é o seu propósito, o impacto social que quer realizar e como espera operar para alcançar seus objetivos. Aí, alguém pode ajudar a desenhar o modelo que melhor se adequa a esse propósito e não o contrário”, pondera Danilo Tiisel, lembrando que há, inclusive, modelos híbridos, nos quais se alinham estratégias diversas. Há casos, por exemplo, de escolas de idiomas que são constituídas como associação, mas que é possível as pessoas serem sócias da rede por meio de cotas, sendo uma forma de captar recursos. Há outras organizações que atuam na área de cultura, por exemplo, que são sócias de uma companhia de teatro. Assim, a companhia, que é uma empresa, distribui o lucro que ajuda a sustentar as atividades da organização com crianças e adolescentes. Existe uma gama imensa de possibilidades.
Investimento de impacto
Um grupo formado por 22 fundações e institutos se uniu para aprender de forma conjunta sobre como diversificar sua forma de investimento social e, agora, direcionar recursos também ao campo de negócios de impacto.
No FIIMP (Fundações e Institutos de Impacto), cada organização aportou 10 mil dólares, que foram direcionados a instituições intermediárias – Bemtevi Investimento Social, Sitawi – Finanças do Bem e Din4mo – responsáveis por selecionar três negócios em estágio adequado para receber os recursos. A operação será feita a partir de instrumentos selecionados: dívida conversível, garantia e empréstimo.
Segundo Fábio Deboni, gerente-executivo do Instituto Sabin – um dos participantes do FIIMP –, esse processo tem trazido mudanças internas às próprias organizações, no sentido de repensar suas práticas. “O olhar agora é se o projeto que eu desenvolvo ou apoio está, de fato, gerando impacto social. Não é apenas mais verificar os resultados, por exemplo, da quantidade de horas de cursos oferecidos ou de pessoas atendidas. Mas, sim, o que aconteceu com os públicos que atendemos. O que eles fizeram com esse aprendizado que tiveram. Isso muda o foco”, aponta.
Outro aspecto também trazido por essa agenda, acredita Fábio, é a importância de investir em iniciativas de longo prazo, a fim de que os resultados de fato possam ser medidos. “Eu, como financiador, vou precisar aceitar esse tempo maior de relacionamento com cada parceiro. Isso faz com que iniciativas ou demandas muito pontuais percam a força. Esse cenário coloca em cheque, inclusive, a atuação individual. Será que o projeto é o que vai me gerar mais impacto na agenda de educação que eu quero promover ou existem outras organizações que eu poderia me associar para tal? Será preciso desapegar ou reinventar os projetos que há anos as organizações já fazem. E isso não é trivial.”
Mobilização de recursos: responsabilidade de todos na organização
A diversificação da forma de mobilização de recursos sempre foi parte do dia a dia do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), uma das maiores organizações ambientais do Brasil, com sede em Nazaré Paulista (SP). O Instituto conta com mais de 80 profissionais trabalhando em 30 projetos por ano, em locais como o Pontal do Paranapanema e Nazaré Paulista (SP), Baixo Rio Negro (AM), Pantanal e Cerrado (MS).
A responsabilidade pela captação de recursos é compartilhada por toda a equipe. “Quando um profissional novo chega ao IPÊ, procuramos ensinar não só as tarefas técnicas, mas também a como mobilizar os recursos para as iniciativas. Aqui, tudo é bem horizontal”, comenta Eduardo Humberto Ditt, secretário-executivo da organização.
Sendo assim, cada equipe capta para seus projetos, buscando articular com universidades, quando a iniciativa é mais focada em pesquisas; com empresas, para ações de educação ambiental; e com órgãos e instâncias governamentais, em iniciativas de desenvolvimento nos territórios, com intensa articulação de parceiros. 10% dos recursos captados pelos projetos são direcionados para as despesas institucionais. “Esse é sempre um desafio, pois alguns dos financiadores não aceitam a taxa”, comenta Eduardo.
Outra iniciativa é a parceria com o Movimento Arredondar, que já tem trazido bons frutos. Pelo movimento, os consumidores são convidados, em lojas parceiras, a arredondar a sua compra e, com isso, direcionar os recursos para organizações sociais do país. O IPÊ é uma delas.
Uma das preocupações do Instituto desde a sua criação é a transferência do conhecimento adquirido em suas pesquisas de campo. Para isso, em 1996, criou o Centro Brasileiro de Biologia da Conservação, para cursos de curta duração, que evoluiu, em 2006, para a ESCAS – Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, oferecendo Mestrado Profissional e MBA. A ESCAS tem sido também um espaço para aproximar, cada vez mais, novas pessoas da organização, trazendo mais reconhecimento e legitimidade e, com isso, novos apoios.
Porém, como destaca Eduardo Ditt, manter as ações funcionando não é tarefa fácil, pois, apesar da questão socioambiental ter crescido na lista de preocupação das pessoas, isso não tem se revertido, necessariamente, em mais recursos. “No momento de crise do país, as pessoas tendem a enxugar. E, como não consideram a área socioambiental uma prioridade, perdemos recursos. Por isso, acredito que as organizações precisam intensificar a participação do setor privado neste debate e, consequentemente, no financiamento das iniciativas. Temos que aproveitar que as novas gerações estão mais preocupadas com esse tema e mostrar que não é possível separar a questão econômica da ambiental”, alerta.
(*) A matéria é parte do segundo fascículo da Coleção Mobiliza, que teve como tema: “Modelo de financiamento autêntico – oportunidades para avançar”. Clique aqui para baixar a publicação completa.
*Créditos da foto: Paulo Pereira