Captação em tempos de crise! Entrevista com Leila Novak

Desafio para todas as organizações da sociedade civil, encontrar a estratégia de financiamento mais eficiente não tem fórmula. E, em momentos de instabilidade política e econômica, tudo parece ficar mais difícil.

Para entender o cenário atual e fazer emergir novas reflexões sobre caminhos para o desenvolvimento organizacional, conversamos com Leila Novak, fundadora e mentora da Rede Papel Solidário. Leila é formada em Serviço Social, especialista em Captação de Recursos pela Indiana University Center on Philanthropy e em Administração de Organizações Sociais pela Procura A.C. do México, além de ser empreendedora social da Ashoka.

Para ela, o momento é delicado, porém também de transformação – pautado pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) e por outras maneiras de mobilizar recursos que estão mudando o campo. Confira o bate-papo:

Mobiliza – Para começar, a pergunta de um milhão de dólares: é muito difícil mobilizar recursos?

Leila Novak – No atual momento político e econômico de nosso país, está cada vez mais difícil para as organizações da sociedade civil captar recursos. Tenho uma vivência de 46 anos na área social e posso afirmar que nunca foi tão complicado buscar financiamento, tanto na esfera pública como na privada.

Mobiliza – O cenário é delicado, mas também podemos crescer em momentos de crise, não? Para além do ambiente externo, planejar novos modelos de financiamento é também um exercício de autoavaliação?

Leila Novak – De positivo nesse esforço constante de buscar recursos, percebo que as organizações estão dando atenção especial para sua governança mais ativa, e isso é um bom caminho. Os conselheiros e associados estão mais engajados em suas funções e colocando foco maior na gestão eficiente para que atuem com poucos recursos, porém alcançando algum impacto social. O olhar para dentro da organização nesse momento é fundamental.

Mobiliza – Muitas organizações têm migrado para o modelo de negócio social ou negócio de impacto. É uma tendência? Como você avalia esse movimento?

Leila Novak – Ainda percebo que esse modelo no Brasil está frágil. Acredito que o país está avançando no campo da inovação social, mas sem legislação específica não vejo como criar escala. Ainda noto que algumas consultorias e aceleradoras desse novo campo estão ignorando as organizações da sociedade civil [de caráter mais tradicional] e até insistindo na tese que o “sem fins lucrativos” está com seus dias contados no Brasil. Não consigo enxergar dessa maneira, até porque cada caso deve ser analisado e refletido dentro das expectativas dos envolvidos. Não existe, para mim, certo ou errado. Existem várias possibilidades para serem analisadas. As formas de constituição jurídica no campo social são diversas e, a cada dia, novas regras e leis são implementadas no Brasil, dificultando muitas vezes o conhecimento do campo.

Mobiliza – Realmente o campo social é um ambiente muito diverso e, por vezes, falta diálogo e cooperação. Você vê uma ação em rede se fortalecendo? Dá para captar recursos junto com pares?

Leila Novak – Vejo um movimento, até mesmo do poder público, para atuação em rede. O novo marco regulatório [MROSC] define com clareza essa possibilidade que até então era excluída dos relacionamentos da sociedade civil com poder público. O cenário está favorável para a atuação conjunta e, no caso específico de minha atuação, sempre defendi a união e o compartilhamento, evitando pulverizar recursos que não geram impactos em larga escala. Acredito que vamos evoluir para o desenvolvimento de várias tecnologias sociais aplicadas em maior escala mediante redes de fomento ao campo social.

Mobiliza – Muito se fala em diversificar fontes de recursos; que esta pode ser estratégia central para alcançar uma sustentabilidade financeira. Você concorda?

Leila Novak – Sim, concordo e faço essa reflexão com as organizações desde sua constituição, pois fazer o sonho se tornar realidade depende de recursos financeiros e materiais. Além de fontes de recursos a fundo perdido, seja do poder público ou de empresas privadas, precisamos desenvolver fontes de receitas mais efetivas como prestação de serviços ou comercialização de produtos. O que ocorre até hoje no Brasil é um olhar equivocado de muitos agentes públicos, que acabam desanimando os gestores das organizações a caminharem nesse sentido, talvez por ignorância em entender que uma organização nasce com finalidades definidas em seu estatuto social, porém, pode – e deve – atuar com outras atividades como “meio”, ou seja, para garantir a sustentabilidade de suas finalidades. Isso, por incrível que possa parecer, até hoje não está tão claro para o setor público.

Mobiliza – Toda organização é capaz de captar recursos com pessoas físicas?

Leila Novak – É possível, desde que tenha transparência em seu processo de gestão e governança. O que percebo é que atuar com pessoas físicas dá muito trabalho, as doações são menores e envolvem muitas vezes o empenho pessoal dos conselheiros e isso não é muito fácil de acontecer, principalmente com organizações de pequeno porte. Vejo que, em geral, essas organizações são compostas por pouco mais de 10 associados, o que inviabiliza a criação de conselhos mais atuantes – geralmente são compostas por uma pequena diretoria, além do conselho fiscal (exigência legal no caso de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP). Defendo a necessidade da criação, desde o início da constituição de uma organização da sociedade civil, de um plano mínimo de mobilização de recursos, mas na prática isso pouco acontece. Curioso que, em sua maioria, os estatutos sociais preveem a categoria de associado contribuinte, mas quando pergunto quem são os associados que contribuem mensalmente com a organização vem o espanto: nenhum.

Mobiliza – Realmente, exceto no caso de grandes organizações, a estratégia de captação com pessoas físicas parece desejável, porém uma tarefa difícil de ser implantada.

Leila Novak – Exato. Isso me faz refletir que ainda não temos no Brasil a contribuição associativa como cultura e isso precisa mudar urgente.

(*) A entrevista é parte do segundo fascículo da Coleção Mobiliza, que teve como tema: “Modelo de financiamento autêntico – oportunidades para avançar”. Clique aqui para baixar a publicação completa.

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