Quando a captação de recursos esbarra em problemas internos
Eu sei por que você tem dificuldades na captação de recursos. Muitas organizações esbarram em barreiras internas que comprometem parcerias estratégicas.
Imagine esta situação:
Uma Organização da Sociedade Civil (OSC), dedicada à inclusão produtiva de jovens, recebeu uma proposta de uma empresa de tecnologia interessada em financiar uma nova turma do curso de formação tecnológica já existente na organização. A empresa, além de aportar recursos financeiros, deseja que seus funcionários participem voluntariamente das atividades, oferecendo conteúdos complementares relacionados às áreas específicas em que atua. Com isso, espera também preparar jovens que possam integrar futuramente seus quadros profissionais.
A pessoa responsável pela captação de recursos da OSC, entusiasmada com a oportunidade, precisa conversar com a equipe pedagógica para adaptar o curso aos interesses do potencial financiador. Ao apresentar a proposta, porém, o profissional de captação é surpreendido pela resistência da coordenação pedagógica. A equipe argumenta que alterações no curso poderiam comprometer o projeto pedagógico original e aumentar excessivamente a carga de trabalho, devido à necessidade de alinhamentos constantes com os voluntários corporativos.
Sem conseguir avançar, o captador leva o impasse à direção executiva, relatando a falta de comprometimento da equipe pedagógica com os esforços de captação. A direção, por sua vez, opta por não interferir, sugerindo ao captador que busque um financiador que aceite apoiar o projeto exatamente como ele está, sem mudanças.
Diante dessa situação, o profissional de captação, frustrado, precisa recusar a parceria com a empresa. O financiador lamenta, destacando o sentimento de que seu apoio não foi valorizado. O captador, por sua vez, angustia-se ao lembrar das metas elevadas que precisa cumprir e da falta de suporte interno para realizar sua função.
Questões que merecem atenção
Histórias como essa são mais comuns do que parecem e levantam importantes questões:
- A adaptação do curso colocaria em risco a missão institucional da OSC?
- É papel da equipe pedagógica contribuir para a captação de recursos?
- A empresa agiu inadequadamente ao propor ajustes no curso como contrapartida para o apoio financeiro e técnico?
- Haveria um caminho capaz de atender simultaneamente aos interesses da OSC e do financiador?
- A direção executiva acertou ao se manter distante do problema?
Essas perguntas ilustram um dilema muito presente nas organizações sem fins lucrativos: a ausência de uma cultura organizacional que favoreça e fortaleça a captação de recursos. Ainda que não existam respostas fáceis, é certo afirmar que, sem uma cultura que valorize a captação de recursos como estratégica e compartilhada por toda a equipe, o alcance de metas financeiras será continuamente dificultado. Em última análise, essa ausência pode colocar em risco a própria sobrevivência institucional.
O que é cultura de captação
Denomino essa abordagem estratégica e colaborativa de CULTURA DE CAPTAÇÃO.
Cultura de captação é o modelo organizacional onde captar recursos não é uma tarefa restrita a um único profissional ou setor, mas uma responsabilidade compartilhada por todos: direção, conselho, equipe técnica, administrativa e voluntários. Nesta cultura, captar recursos é entendido como um compromisso essencial e integrado à missão, aos valores e à rotina diária da organização.
Elementos de uma cultura de captação eficaz
São características essenciais de uma verdadeira cultura de captação:
- O envolvimento direto e ativo da liderança executiva e dos membros do conselho.
- Cooperação transversal entre departamentos e equipes, promovendo sinergia e compreensão das demandas institucionais.
- Clareza financeira, garantindo que todos entendam os custos reais envolvidos nas atividades e na gestão organizacional.
- Reconhecimento e valorização dos doadores como parceiros estratégicos essenciais à realização da missão institucional.
- Comunicação constante, consistente e transparente sobre os resultados alcançados e o impacto das contribuições recebidas.
- Investimento contínuo na capacitação e desenvolvimento da equipe sobre técnicas e práticas modernas de captação de recursos.
Caminhos possíveis
Retomando nossa história inicial, fica claro que o dilema enfrentado pela OSC não é simples nem tem uma solução única e fácil. Talvez, o caminho para uma solução eficaz esteja justamente no diálogo franco e aberto entre todas as partes envolvidas. É preciso considerar cuidadosamente os limites institucionais, os valores pedagógicos e as necessidades financeiras e estratégicas.
Uma possível abordagem poderia envolver um processo mais colaborativo e gradual, permitindo pequenas adaptações que não comprometam o projeto pedagógico central, mas que possam, simultaneamente, atender parcialmente aos interesses legítimos do financiador.
Afinal, o equilíbrio entre missão e sustentabilidade financeira não é uma escolha fácil, mas um processo contínuo de construção coletiva e aprendizado institucional.